Introdução
O Acórdão nº 2553/2025 do Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) oferece diretrizes cruciais para as empresas estatais, regidas pela Lei 13.303/2016, no equilíbrio entre a discricionariedade gerencial e os princípios da publicidade e competitividade.
A decisão, proferida no âmbito do TC 014.430/2025-8, julgou improcedente uma representação contra a Caixa Econômica Federal. O cerne da controvérsia foi a decisão da estatal de alterar a nomenclatura do objeto de uma licitação — de um termo consagrado pelo mercado (“almoxarifado virtual”) para uma nomenclatura interna (“operação do processo MATERIAIS.CAIXA”).
Embora a representação tenha sido afastada, a análise do TCU resultou em recomendações significativas, estabelecendo um precedente sobre o “ônus de diligência” do licitante e a correta metodologia de aferição da vantajosidade.
Desenvolvimento
A análise do Acórdão pode ser dividida em três pilares centrais: a legalidade da publicidade, o ônus do licitante e a aferição da vantajosidade.
1. A Suficiência da Publicidade e o Dever de Motivação
A representante alegou que a mudança no nome do objeto prejudicou a publicidade e a competitividade, impedindo que seus sistemas automatizados (robôs) localizassem o edital. Isso teria resultado em baixa competição (apenas duas propostas) e um desconto de apenas 3,49%.
O TCU, contudo, afastou a irregularidade com base em três constatações da estatal:
- Motivação Interna: A escolha da nomenclatura “MATERIAIS.CAIXA” não foi arbitrária. Foi resultado de um processo decisório interno, formal e motivado, visando criar uma identidade institucional para um processo logístico que era, de fato, mais abrangente que o simples “almoxarifado virtual”.
- Publicação Legal: A publicidade legal foi cumprida com a divulgação do aviso no Diário Oficial da União (DOU) e no portal da própria entidade.
- Presença do Termo no Edital: Fator decisivo, o TCU verificou que, embora o aviso usasse o termo interno, a expressão “almoxarifado virtual” permaneceu presente no Termo de Referência (TR) e demais anexos. Isso garantiu o acesso dos interessados à definição precisa do objeto, cumprindo a Súmula-TCU 177.
2. O Ônus de Diligência do Licitante
O Acórdão traz um importante posicionamento do Relator sobre a responsabilidade do particular. Foi destacado que o dever de publicidade da Administração não exime os licitantes de seu “ônus de diligência”.
A decisão deixa claro que as empresas interessadas em contratar com o Poder Público devem manter uma sistemática ativa e abrangente de monitoramento, utilizando múltiplos parâmetros de busca. A eventual falha de “pesquisas automatizadas restritas a uma palavra-chave específica” não pode ser imputada como vício de publicidade da estatal, desde que esta tenha cumprido os requisitos formais de publicação (DOU e portal) e detalhado o objeto no TR.
3. A Vantajosidade e a Metodologia do Orçamento
A alegação de prejuízo, baseada no baixo desconto obtido (3,49%), foi o ponto mais sensível. A estatal, no entanto, conseguiu defender sua contratação ao demonstrar a robustez do seu orçamento de referência.
A Caixa justificou que o valor estimado (R$ 200 milhões) já estava “comprimido”. A metodologia de cálculo utilizou o menor preço obtido em três fontes independentes: o Banco de Preços de órgãos públicos, orçamentos de consulta pública e preços de contratos vigentes.
O TCU acatou a justificativa, entendendo que um desconto modesto (3,49%) sobre um orçamento já aderente e rigorosamente alinhado aos menores preços de mercado (metodologia alinhada à jurisprudência do TCU) se apresenta razoável.
Conclusão: As Recomendações e o Aperfeiçoamento da Gestão
Apesar de julgar a representação improcedente, o TCU não considerou a prática da estatal ideal. A decisão encerra com duas recomendações cruciais (art. 11 da Resolução-TCU 315/2020) que sinalizam o caminho para o aperfeiçoamento da governança nas estatais:
- Recomendação (Boa Prática de Mercado): Foi recomendado que a estatal, em futuras licitações, adote o uso de terminologias consagradas pelo mercado na descrição do objeto, especialmente nos avisos de licitação. O objetivo é ampliar o alcance da divulgação e maximizar a competitividade, mesmo que a prática atual não tenha sido considerada ilegal.
- Recomendação (Vantajosidade na Prorrogação): Dado o “reduzido desconto”, o TCU recomendou que, caso a estatal opte por prorrogar o contrato, ela deve adotar “medidas rigorosas” para atestar a vantajosidade da continuidade do ajuste, observando o Art. 31 da Lei 13.303/2016.
O Acórdão 2553/2025, portanto, valida a discricionariedade da estatal em definir seus processos internos (desde que motivada), ao mesmo tempo em que reforça o dever de diligência do licitante. Contudo, deixa um claro recado: a busca pela vantajosidade exige não apenas o cumprimento do mínimo legal, mas a adoção de boas práticas que fomentem a máxima competição possível.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão nº 2553/2025. Processo TC 014.430/2025-8. Representação sobre possíveis irregularidades na Licitação Caixa (LC) 96/2025. Relator: Ministro Bruno Dantas. Sessão de 29 de outubro de 2025.
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